por: Douglas Alves*
Era uma vez um maravilhoso Novo Mundo, certo dia, cumprindo as profecias, os Deuses do povo desse Novo Mundo retornaram, e esse povo hospitaleiro os acolheu no seio de suas civilizações, lhes oferecendo o que de melhor possuíam.
Assim poderia ser um resumo feliz da história dos povos pré-colombianos, se não fosse o fato de que os Deuses eram, na verdade os colonizadores espanhóis para os quais não foram necessários muitos esforços para conquistar e destruir esse Novo Mundo, enquanto os povos nativos não pensaram em guerra e ofereceram sua hospitalidade, os espanhóis já tinham planos de dominação e estavam em busca de riquezas para seu reino. Como podemos ver, os interesses dos espanhóis já estavam bem definidos, a travessia dos mares se devia a uma carência de metais em toda Europa, a qual deveria ser suprida independentemente dos atos necessários e suas conseqüências, sem nenhum pesar. Assim pouca diferença fez as já avançadas culturas locais, aos olhos dos colonizadores cristãos todos estariam condenados à perdição se não aceitassem a “verdadeira” fé, muitos templos pré-colombianos a partir da conquista foram derrubados e em seus lugares construídas igrejas católicas, muitas vezes até aproveitando-se das pedras dos templos derrubados, havia alem do interesse metalista, a questão religiosa, a necessidade de remissão dos perdidos.
A América era o vasto império do diabo, de redenção impossível ou duvidosa, mas a fanática missão contra a heresia dos nativos confundia-se com a febre que provocava, nas hostes da conquista, o brilho dos tesouros do Novo Mundo. (GALEANO, 2002, p. 25)
Tornava-se inadmissível a presença de qualquer outra civilização desenvolvida fora da Europa, por maior que fosse seu desenvolvimento, não demorou a que os nativos fossem taxados como selvagens, como exemplo, Colombo em seus relatos diz que esses povos são desprovidos de língua cultura e ate de religião, seriam como uma pagina em branco, prontos a receber a inscrição que os conquistadores preferissem, no caso, a cultura “superior” européia. Durante toda a sua expedição, Colombo reafirma como interesse primordial de sua expedição a evangelização dos índios, mas o caráter que vemos prevalecer é o do metalismo, que desde sua chegada ao ver colares com pedras de ouro procura logo saber a origem do metal e se havia em maior quantidade no local, pouco mais a frente os índios já citados como possíveis ótimos escravos, o que a princípio parecia uma relação de amizade começa a se configurar como relação de exploração, o modo de vida indígena é visto como uma pratica “demoníaca”, como andar pelados e oferecer sacrifícios humanos aos deuses são condenados, os nativos careciam de purificação através do cristianismo, e os que se recusassem deveriam ser mortos.
A colonização além de marcas na terra devido à busca por metais, deixou marcas bem mais profundas nos povos americanos, toda a economia das colônias estava voltada para o abastecimento das regiões mineradoras e para o mercado europeu, a América até então uma sociedade agrária teve sua principal atividade desbancada pela mineração, como o interesse espanhol limitava-se a exploração não havia interesse no desenvolvimento de manufaturas e nem social na América, com o declínio da mineração as cidades fornecedoras de mantimentos estreitaram suas relações com a metrópole, até o momento da independência, nada havia sido investido no continente, apenas retirado e, num mundo já industrial o Novo Mundo ainda vivia da terra e dependia de importações para possuir alguma tecnologia, durante todos os anos de exploração não houve nem uma especialização na produção local, nada foi feito pelo continente o que em parte explica o fato de, atualmente a maior parte dos paises americanos estarem no ranking dos paises não desenvolvidos e até ocupando lugares entre os mais pobres do mundo, como é o caso da Bolívia.
Nas questões sociais a conquista ainda foi mais cruel com a América, toda a estrutura social já existente foi desmantelada para atender aos interesses espanhóis, os índios foram escravizados, transferidos de seus locais de origem para dentro das minas para trabalhar sem descanso em atividades que não estavam habituados a exercer, outros foram transportados para a Europa para serem escravos lá. Em terras americanas os índios foram submetidos aos sistemas da mita e da encomienda após a proibição da escravidão indígena, em qualquer um dos casos resumia-se a exploração do trabalho forçado, afastados de suas famílias, os que sobreviviam até o termino de seu tempo de serviço normalmente não voltavam para casa, “… permaneciam nas imediações da mina a fim de voluntariamente oferecerem seus serviços para poderem receber um salário” (AQUINO, 2002, p. 113). A mão de obra retirada das aldeias enfraquecia a produção comunitária, muitos também fugiam de seus povoados tentando escapar do recrutamento para mita, o que foi responsável pela destruição de varias comunidades e, a marginalização da população indígena, essa população não era tratada diferentemente dos animais, somente em 1537, através do Papa Paulo III os índios foram “reconhecidos” como homens como qualquer outro, esse etnocentrismo ficou marcado nas populações americanas em sua maioria descendentes diretos desses índios até hoje:
… em setembro de 1957, a Corte Suprema de Justiça do Paraguai emitiu uma circular comunicando a todos juizes do país que “os índios são seres humanos como todos os outros habitantes da republica…” E o Centro de Estudos Antropológicos da Universidade Católica de Assunção realizou posteriormente uma pesquisa de opinião publica na capital e no interior: de cada dez paraguaios oito crêem que “os índios são como animais” (GALEANO, 2002, p. 53).
É triste imaginar uma opinião desse tipo numa sociedade predominantemente indígena, as marcas sociais da colonização foram capazes de destruir toda a identidade desses povos até o ponto de não mais reconhecerem suas origens, ao longo do processo de colonização, os espanhóis conseguiram transformar a população e concretizar as primeiras impressões de Colombo sobre os nativos, de serem paginas em branco, prontas para serem escritas.
A conquista se deve muito pelo “terror” psicológico sobre os povos pré-colombianos, o ataque às religiões locais foi fator decisivo no êxito da empresa espanhola. Como no caso dos Incas, que tinham suas múmias (símbolo religioso, de adoração) seqüestradas, obrigando-os a trabalhar, os Astecas e Maias, foram proibidos de realizar seus cultos, assim como seus sacrifícios que foram considerados selvageria pelos conquistadores. As sociedades americanas tiveram seus deuses destruídos, foram obrigados a aceitar a religião dos seus dominadores, a religião talvez tenha sido o principal fator da conquista, graças às profecias foi possível à entrada dos espanhóis no seio das civilizações, sendo tratados com cortesia por serem confundidos com os deuses, e por isso, não estavam preparados para lutar, ter de defender seus domínios, “Ainda agora, depois de tanto tempo comigo, e apesar de numerosas conversas, continuam convencidos que venho do céu” (TODOROV, 1999, p. 49) isso relata Colombo, não seria bem mais fácil uma conquista nessas, circunstâncias?
A religião era o pilar principal dessas sociedades, submetê-las não foi difícil uma vez que esses foram convencidos que até seus deuses estavam derrotados, como resistir se nem os deuses o puderam? Sua cultura ditada pelas praticas religiosas juntamente foi destruída, sendo com o passar do tempo substituída pela européia, à religião pelo cristianismo católico, as “raízes” da América foram arrancadas e, em seu lugar “edificadas” novas bases.
Devido à exploração colonial sem limites, que perdurou até que as terras do Novo Mundo não tivessem mais nada de interessante a oferecer aos dominadores, essas culturas americanas caíram num tipo de esquecimento pela historia humana, civilizações que sobressaíram em suas épocas mais até que a grande civilização egípcia, em aspectos sociais, artísticos e arquitetônicos, tiveram sua memória manchada devido ao seu presente, em sua maioria pobres paises da rica América, o preconceito trazido pelos espanhóis continua presente dentro das sociedades e pior, contra elas mesmas, os maiores tesouros do Novo Mundo, a inocência, o respeito e a cultura foram roubados e, não podem ser devolvidos.
Referencias Bibliográficas:
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra S/A, 2002, p. 23 – 57.
AQUINO, Jesus Oscar. História das sociedades americanas. 8ª ed. São Paulo: Record, 2002, p. 89 – 121.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do ouro. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 41 – 59.
* Douglas Alves é estudante do curso de História, guitarrista e amigo.